02.05.2013
Do blog BALAIO DO KOTSCHO, 26.0413
Por Ricardo Kotscho
De vez em quando, é bom a gente ser convidado para participar de um debate sobre temas que fogem ao cardápio habitual do noticiário do dia a dia para podermos refletir sobre o nosso trabalho e o dos outros na construção de um país mais democrático e mais justo, ainda mais num momento em que vivemos profunda crise na relação entre os poderes em Brasília, que se agrava a cada dia, exatamente pela falta de diálogo e do respeito ao papel de cada um..
Na tarde de quinta-feira, tive a oportunidade de ser um dos expositores do Seminário "O Crime e a Notícia", no auditório do Tribunal de Justiça de São Paulo, promovido pelas entidades Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Participei da mesa "Direito de Defesa, Imprensa e Democracia", ao lado dos jornalistas Cristine Prestes, do "Valor", e de Thiago Herdy, de "O Globo", que foi o mediador, do advogado Arnaldo Malheiros Filho, do professor e desembargador José Renato Nalini e de Roberto Troncon Filho, delegado-geral da Polícia Federal em São Paulo.
Cerca de 400 pessoas, entre jornalistas, operadores do Direito, estudantes de Jornalismo e de Direito participaram dos debates que duraram todo o dia.
Para quem não pode participar do evento, e como entendo que se trata de um assunto de interesse geral, transcrevo abaixo a minha palestra:
UM PAÍS SELETIVO
Boa tarde,
Antes mais nada, muito grato pelo convite para participar deste debate com tão ilustres participantes sobre um tema que interessa a toda a sociedade _ e não só aos operadores do Direito ou aos profissionais de Imprensa.
Tentarei ser breve para tratar das cinco questões colocadas na apresentação do seminário, mas antes poderia resumir tudo numa pequena adaptação do nome dado ao seminário: “O Crime e a Notícia”.
Na verdade, no mundo todo, podemos dizer hoje que “o crime é a notícia”, de tal forma o noticiário policial ganha cada vez mais espaço e relevância nas diferentes plataformas de mídia.
Vamos às questões.
Por que em certas situações há respeito a certas garantias da pessoa acusada, como proteção do nome e da imagem, por exemplo, e em outras não?
Aqui o comportamento do judiciário e da imprensa se equivalem. O respeito a certas garantias da pessoa acusada _ e mesmo das vítimas _ depende basicamente da sua condição social e da sua capacidade de dispor de uma defesa competente.
Por uma questão cultural, costumamos ser implacáveis com os mais humildes e subservientes com os donos de qualquer poder, nem que seja apenas o de andar de terno.
Acho que foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quem disse uma vez que o Brasil não é um país pobre, mas um país injusto. E somos um país injusto porque não só a Justiça, mas o conjunto das instituições, incluindo a imprensa, são seletivas.
É por isso que em muitos casos Ministério Público, Judiciário, Polícia e Imprensa se unem para investigar, denunciar e julgar celeremente alguns suspeitos e, em outros, agem com extrema vagareza ou omissão, simplesmente.
Somos seletivos não só ao escolher o alvo das nossas investigações jornalísticas, mas também no destaque dado a cada caso e no julgamento prévio que fazemos dos suspeitos.
Até a maneira de nos referirmos a acusados ou a vítimas varia de acordo com seu nome e origem. Por isso, alguns podem ser algemados pela polícia e interrogados por jornalistas antes de chegarem à delegacia; outros, não.
É possível fazer uma cobertura mais equilibrada garantindo a atenção do público, principalmente considerando o perfil dos leitores/espectadores na atualidade?
Sempre é possível fazer uma cobertura mais equilibrada sem perder audiência, mas aqui também noto muita hipocrisia do público. Se você perguntar em qualquer pesquisa o que as pessoas preferem ver na televisão, por exemplo, vão responder que são temas ligados à cultura, à educação, à música, às artes, a histórias edificantes. Mas as televisões que privilegiam estes assuntos dão traço de audiência. Por que? Porque na hora em que pega o controle remoto, o sujeito prefere ver o Ratinho e outros bichos, os programas policiais de fim de tarde, os Big Brothers da vida, as celebridades e as aberrações em geral. E estes programas dão audiência em qualquer plataforma. E audiência dá dinheiro. É este o jogo. O público também é bastante seletivo: seleciona geralmente o que há de pior.
Qual é o impacto das novas mídias para o controle de qualidade do jornalismo e o respeito aos direitos individuais das pessoas retratadas?
As novas mídias provocaram a maior revolução nas comunicações sociais desde que aquele velho alemão, o Gutemberg, inventou a imprensa, faz mais de 500 anos. Democratizaram informações e opiniões, ajudaram a controlar a qualidade e as aberrações do jornalismo tradicional, denunciando suas manipulações. Mas, ao mesmo tempo, desrespeitam direitos individuais, de empresas, de instituições e de governos, numa guerra de extermínio de reputações, que só agora vem despertar a atenção das autoridades judiciárias para colocar um pouco de ordem na zona. Também aqui o impacto é seletivo: tanto pode ser para o bem, como pode alimentar os piores instintos de intolerância com o pensamento contrário.
Comente o funcionamento dos mecanismos de autorregulação e controle de qualidade e a função do Ombudsman nos meios brasileiros em que há essa figura.
Só conheço um único mecanismo de autorrregulação no Brasil que realmente funciona _ e já faz mais de 30 anos. É o Conar, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, uma entidade civil criada por representantes de veículos, agências e anunciantes, que recebe, julga e pune abusos cometidos por eles próprios. É bom para todo mundo: protege a sociedade e, ao mesmo tempo, as empresas e os profissionais sérios do mercado que não fazem qualquer coisa só por dinheiro. A função do ombudsman também é uma iniciativa meritória, um espaço de defesa para o leitor, mas só conheço a experiência da "Folha". Por que os outros veículos não aderem a esta prática?
Por que não se dá mais publicidade aos parâmetros éticos estabelecidos dentro das redações?
O problema não é dar mais publicidade aos parâmetros éticos estabelecidos pelas redações. Até que se faz muita publicidade destes manuais e códigos de ética, mas que na verdade funcionam muito mais como marketing do veículo do que outra coisa. Se estes parâmetros fossem colocados em prática e respeitados no dia a dia do trabalho nas redações, nossa imprensa teria mais credibilidade, mais qualidade, mais isenção e certamente prestaria melhores serviços ao seu público.
Quais seriam as consequências para a democracia de se introduzir limites à liberdade de imprensa?
Não falaria em “introduzir limites à liberdade de imprensa”, que logo virão acusações de censura, controle social da mídia, e essas coisas todas. Prefiro falar em regulação dos meios de comunicação social, já que a nossa atual legislação tem mais de meio século, e é anterior portanto a todas as novas mídias que conhecemos hoje. Há que se estabelecer, após amplo debate na sociedade e no Congresso, um marco regulatório para o setor, assim como temos em todas as outras áreas da economia. A sociedade tem que ter instrumentos para se defender da mídia, assim como a mídia precisa dispor de meios para se defender dos abusos que vêm sendo cometidos por setores do Judiciário. Temos que ter uma regra do jogo que envolva todos os setores interessados _ e um bom ponto de partida é o próprio Conar, a instituição de que falei mais acima. A comunicação social não pode continuar sendo uma terra de ninguém, sem regras claras para todos, em que ainda prevalece a lei do mais forte. Sei que não estou contando nenhuma novidade, mas a comunicação social é um bem fundamental para a democratização da nossa sociedade e não pode ser um instrumento apenas a serviço dos interesses de seus acionistas.
Muito obrigado.
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